Vieram me falar sobre o “Mulheres Ricas”, novo programa da
TV Bandeirantes, me dizendo que seria bom eu ver porque eu “escrevo sobre
coisas críticas”. Como não escrevo sobre doentes terminais, guerra civil na
África ou qualquer coisa do tipo, não entendi muito bem o rótulo que me deram.
Terminaram a indicação dizendo que era uma afronta, mais um reality show que
mostra ostentação, que esse país é um absurdo, que temos jogadores ganhando
milhões, deputados ganhando salários exorbitantes e professores ganhando
miséria. Opa, peraí, vamos com calma para não misturar alhos com bugalhos. Vamos conversar sobre isso.
Não foi a primeira vez que esse tipo de comparação chegou
até mim. Constantemente recebo e-mails indignados com comparações desse tipo. E
com o Big Brother Brasil se aproximando, você certamente ouvirá isso também
quando se falar do programa da TV Globo. Como pode um participante de um
reality show ganhar essa fortuna enquanto milhares passam necessidades? Uma
crítica ainda mais pobre do que as pessoas que passam as necessidades que quem
usa esse argumento tenta exemplificar.
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Neymar: astro mais bem pago do futebol brasileiro |
Professores ganham mal no Brasil e isso é um fato. Não
deveria ser assim. Ninguém discute isso. Só que comparar o salário de um
professor com um grande atleta é descabido. Os grandes atletas geram muito
dinheiro e, por isso, recebem também muito dinheiro. Pode se discutir se
recebem mais do que deveriam, se o mercado não supervaloriza os salários dos
grandes atletas. Compará-los com professores é esdrúxulo. Os professores devem
ter o salário mais alto, mas esse é um problema de políticas públicas do país.
Grandes atletas ganharem menos não traria o benefício de professores ganharem
mais do que atualmente. Tanto que em países onde o professor é mais valorizado
há atletas que são muito bem pagos. Uma coisa nada tem a ver com outra.
“Mas é um insulto que o Ronaldinho Gaúcho ganhe mais de R$ 1
milhão e um professor ganhe R$ 1 mil” (sério, recebi isso por e-mail). É uma
diferença enorme, mas a culpa não é do Ronaldinho e nem do esporte. Claro que a
comparação é chocante, mas vilanizar os jogadores que recebem os altos salários
é direcionar as forças para o lado errado. Em um dos e-mails que recebi, a
comparação dizia: “Neymar: R$ 3 milhões para chutar uma bola (...). Professores:
R$ 1000 para ensinar as pessoas, algo que não é mesmo importante”. Mais uma
vez, a origem do dinheiro que paga as duas profissões são completamente
distintos e comparar um ao outro é apenas uma demagogia.
Se formos analisar em um microscópio todo o dinheiro mal
gasto em relação ao que deveria ser, e aquela sua viagem ao nordeste em hotel
cinco estrelas? E aquele carro que você comprou pagando R$ 70 mil, se você
podia ter um carro de R$ 30 mil? E aquela compra desnecessária no seu cartão de
crédito só para satisfazer uma vaidade? Ora, quer dizer que o jogador não pode
ganhar um dinheiro que oferecem a ele, mas você pode gastar R$ 500 para ir no
show do Lollapalooza e tudo bem?
Chegamos então aos deputados. Sim, eles ganham muitas
mordomias. Sim, ganham mais do que fazem valer. Sim, custam muito para o
governo que tem a conta paga por todos. O que temos que pensar é que do mesmo
modo como reclamamos que os policiais deveriam receber um salário maior e mais
justo para diminuir a tentação da corrupção, os deputados não podem ganhar mal
em um lugar onde as tentações por corrupção também são altas, talvez mais do
que em qualquer lugar.
É justo reclamar que os deputados ganham benefícios em
excesso e gastam mais do que deveriam. Só não dá para querer que eles ganhem
mal. Os salários dos legisladores devem ser altos sim, porque essa é uma forma
de tentar evitar a corrupção. Alguém deve estar gritando que isso não adianta
nada, já que estamos em um país bastante corrupto. O problema, então, não é o
salário, mas a falta de fiscalização do governo sobre isso. E, em outra escala,
culpa nossa por permitir que isso aconteça e continuarmos elegendo os mesmos,
não se manifestando quando algo de errado acontece ou, pior, chamando de
vagabundos aqueles que tentam protestar contra o que consideram injusto. Não é
difícil pensar em exemplos, inclusive recentes, não é mesmo?
Então, que tal pensarmos um pouco melhor nos argumentos que
usamos e pararmos de usar esse argumento rasteiro? Seria bom para todo mundo,
inclusive para discutir como melhorar, e não só dizer que o Neymar ganha muito.
PS: Sequer cheguei a ver "Mulheres Ricas". Mas não é criticando o que quer que se passe no programa que vai se conseguir uma melhora para outros setores da sociedade. Não se esqueça de olhar na sua fatura do cartão de crédito. Tem certeza que você não faz o mesmo que elas dentro do que você pode pagar?
Perfeito.
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