terça-feira, 10 de janeiro de 2012

A falsa dualidade de salários de jogadores famosos e professores


Vieram me falar sobre o “Mulheres Ricas”, novo programa da TV Bandeirantes, me dizendo que seria bom eu ver porque eu “escrevo sobre coisas críticas”. Como não escrevo sobre doentes terminais, guerra civil na África ou qualquer coisa do tipo, não entendi muito bem o rótulo que me deram. Terminaram a indicação dizendo que era uma afronta, mais um reality show que mostra ostentação, que esse país é um absurdo, que temos jogadores ganhando milhões, deputados ganhando salários exorbitantes e professores ganhando miséria. Opa, peraí, vamos com calma para não misturar alhos com bugalhos. Vamos conversar sobre isso.

Neymar: astro mais bem pago do futebol brasileiro
Não foi a primeira vez que esse tipo de comparação chegou até mim. Constantemente recebo e-mails indignados com comparações desse tipo. E com o Big Brother Brasil se aproximando, você certamente ouvirá isso também quando se falar do programa da TV Globo. Como pode um participante de um reality show ganhar essa fortuna enquanto milhares passam necessidades? Uma crítica ainda mais pobre do que as pessoas que passam as necessidades que quem usa esse argumento tenta exemplificar.

Professores ganham mal no Brasil e isso é um fato. Não deveria ser assim. Ninguém discute isso. Só que comparar o salário de um professor com um grande atleta é descabido. Os grandes atletas geram muito dinheiro e, por isso, recebem também muito dinheiro. Pode se discutir se recebem mais do que deveriam, se o mercado não supervaloriza os salários dos grandes atletas. Compará-los com professores é esdrúxulo. Os professores devem ter o salário mais alto, mas esse é um problema de políticas públicas do país. Grandes atletas ganharem menos não traria o benefício de professores ganharem mais do que atualmente. Tanto que em países onde o professor é mais valorizado há atletas que são muito bem pagos. Uma coisa nada tem a ver com outra.

“Mas é um insulto que o Ronaldinho Gaúcho ganhe mais de R$ 1 milhão e um professor ganhe R$ 1 mil” (sério, recebi isso por e-mail). É uma diferença enorme, mas a culpa não é do Ronaldinho e nem do esporte. Claro que a comparação é chocante, mas vilanizar os jogadores que recebem os altos salários é direcionar as forças para o lado errado. Em um dos e-mails que recebi, a comparação dizia: “Neymar: R$ 3 milhões para chutar uma bola (...). Professores: R$ 1000 para ensinar as pessoas, algo que não é mesmo importante”. Mais uma vez, a origem do dinheiro que paga as duas profissões são completamente distintos e comparar um ao outro é apenas uma demagogia.

Se formos analisar em um microscópio todo o dinheiro mal gasto em relação ao que deveria ser, e aquela sua viagem ao nordeste em hotel cinco estrelas? E aquele carro que você comprou pagando R$ 70 mil, se você podia ter um carro de R$ 30 mil? E aquela compra desnecessária no seu cartão de crédito só para satisfazer uma vaidade? Ora, quer dizer que o jogador não pode ganhar um dinheiro que oferecem a ele, mas você pode gastar R$ 500 para ir no show do Lollapalooza e tudo bem?

Chegamos então aos deputados. Sim, eles ganham muitas mordomias. Sim, ganham mais do que fazem valer. Sim, custam muito para o governo que tem a conta paga por todos. O que temos que pensar é que do mesmo modo como reclamamos que os policiais deveriam receber um salário maior e mais justo para diminuir a tentação da corrupção, os deputados não podem ganhar mal em um lugar onde as tentações por corrupção também são altas, talvez mais do que em qualquer lugar.

É justo reclamar que os deputados ganham benefícios em excesso e gastam mais do que deveriam. Só não dá para querer que eles ganhem mal. Os salários dos legisladores devem ser altos sim, porque essa é uma forma de tentar evitar a corrupção. Alguém deve estar gritando que isso não adianta nada, já que estamos em um país bastante corrupto. O problema, então, não é o salário, mas a falta de fiscalização do governo sobre isso. E, em outra escala, culpa nossa por permitir que isso aconteça e continuarmos elegendo os mesmos, não se manifestando quando algo de errado acontece ou, pior, chamando de vagabundos aqueles que tentam protestar contra o que consideram injusto. Não é difícil pensar em exemplos, inclusive recentes, não é mesmo?

Então, que tal pensarmos um pouco melhor nos argumentos que usamos e pararmos de usar esse argumento rasteiro? Seria bom para todo mundo, inclusive para discutir como melhorar, e não só dizer que o Neymar ganha muito.

PS: Sequer cheguei a ver "Mulheres Ricas". Mas não é criticando o que quer que se passe no programa que vai se conseguir uma melhora para outros setores da sociedade. Não se esqueça de olhar na sua fatura do cartão de crédito. Tem certeza que você não faz o mesmo que elas dentro do que você pode pagar?